domingo, setembro 19, 2010

Jogamos?

No inicio, tudo não passava de um jogo sem regras... um tabuleiro novinho em folha... dois dados sem faces definidas.. e um livro de instruções vazio...
Cada minuto era um jogada diferente... inesperada, surpreendente, que fazia o teu e meu coração bater mais rápido e nos confortava com a segurança das maravilhas que o futuro guardava para nós...e era tantas e tão poderosas que, mesmo com medos, mesmo com contrariedades, avançamos ..
Com uma linha, entrelaçamos os nossos sonhos, escrevemos novas histórias e fechamos os olhos..a mão de um aninhada na do outro e um sorriso nos lábios...
Mas à medida que o tempo foi passado, as regras foram surgindo ... a cada anoitecer...a cada “até amanha” proferido com o sangue a fervilhar nas veias... a cada relâmpago de solidão... e com as regras, foi crescendo a necessidade de as quebrar...como um desafio ao que sentíamos, uma tentativa de provarmos à realidade ou a nós mesmos que ainda havia esperança, ainda havia algo para salvar... um pedido de socorro que ninguém haveria de ouvir...
Hoje o jogo não é mais do que um compasso de espera para mais uma regra que há de ser quebrada... já não é a jogada que interessa, mas o tempo que leva até a próxima jogada ... a próxima regra a ser quebrada... e no fim, não haverá mais nenhuma regra para quebrar... simplesmente não haverá nada...nada...

sábado, setembro 18, 2010

Adeus... de Eugénio de Andrade

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mão à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras
e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro!
Era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.

Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!
e eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
no tempo em que o teu corpo era um aquário,
no tempo em que os meus olhos
eram peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor...,
já se não passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.